Partilhe

[Imprimir]
Investigadores do CITAB/UTAD e do IHMT/UNL detetam pela primeira vez bactéria responsável pela Doença de Lyme em javalis
 
Um estudo inédito conclui que os javalis são potenciais reservatórios da bactéria responsável pela Borreliose Lyme (BL), uma doença que afeta o sistema nervoso central, entre outros órgãos e sistemas, com sintomas semelhantes aos da esclerose múltipla e até de fibromialgia. A descoberta é de cientistas do Centro de Investigação e de Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB) e do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), que alertam para o risco elevado de saúde pública, para os caçadores e para as pessoas que trabalham ou efetuam atividades de lazer ao ar livre em espaços agroflorestais.
“A infeção ocorre através da mordedura de uma carraça infetada que habita áreas florestadas. Por exemplo, durante a caça ao javali, assim que o animal é morto, a carraça procura imediatamente um novo hospedeiro”, explica Maria das Neves Paiva Cardoso, do CITAB.
Para evitar o contágio, os caçadores devem manipular os animais com luvas, colocar as meias por fora das calças e, quando chegam a casa, verificar se têm carraças no corpo, nomeadamente pedindo a uma outra pessoa que os examine. Já os cães devem estar desparasitados externamente e utilizar coleiras repelentes.
“Outro problema é que, depois do leilão, os caçadores transportam o javali dentro do carro que, muitas vezes, é a viatura da família. As carraças vão ficar no jipe e podem lá sobreviver durante vários meses”, salienta a investigadora.
Os caçadores e as associações de caça que têm acompanhado a recolha de amostras de javali para análise, em Trás-os-Montes, “têm sido extraordinariamente cooperantes e mostram um interesse crescente pelos métodos de prevenção da BL e de outras doenças infeciosas”. Maria das Neves Paiva Cardoso releva ainda que “fazem várias perguntas sobre como manipular e cozinhar a carne de javali com segurança.”
A investigação, desenvolvida em parceria com os Laboratórios de Ecologia Aplicada e de Inspeção Sanitária da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), revelou a presença de ADN da bactéria em três dos 90 javalis analisados.
“Os dados agora conhecidos são muito promissores e um estímulo para prosseguir a investigação da BL, de modo a conhecer-se mais sobre o modo de transmissão da bactéria aos humanos e animais domésticos e selvagens, e com vista à redução dos riscos para a saúde pública”, explica Maria Luísa Vieira do IHMT da Universidade Nova de Lisboa.
A investigadora salienta ainda que esta descoberta “era perseguida há anos, e sem sucesso, por várias equipas de investigadores estrangeiros.”
Mais de 360 mil pessoas já foram infetadas com BL na Europa
Nos últimos 20 anos foram detetados mais de 360 mil casos de BL na Europa, segundo dados da Organização Mundial da Saúde e do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo das Doenças. Em Portugal, o diagnóstico laboratorial especializado é assegurado pelo Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infeciosas Dr. Francisco Cambournac, do Instituto Nacional de Saúde (INSA) e pelo IHMT. “A BL é uma doença subdiagnosticada no país e por isso pouco reportada”, refere Maria Luísa Vieira.
 
UTAD analisa criação de primeira Unidade Especializada de Diagnóstico no norte do país
“Uma Unidade Especializada de Diagnóstico de BL vai permitir um diagnóstico mais rápido e avanços na investigação, nomeadamente perceber que outros animais domésticos e selvagens são hospedeiros de carraças infetadas, e que impacte podem ter na saúde pública”, assegura Maria das Neves Paiva Cardoso.
 
O diagnóstico de referência da doença em Portugal só está disponível na área da Grande Lisboa, mas os investigadores salientam que Trás-os-Montes apresenta fortes argumentos para a instalação de uma unidade equivalente.
“A região tem uma grande área agroflorestal com condições ideais para o desenvolvimento da carraça e a caça é uma atividade com enorme peso económico”, sintetiza a também docente da UTAD, Maria das Neves Paiva Cardoso.
Nota para o Editor | Sobre a Borreliose Lyme
A Borreliose Lyme (BL) é uma doença infeciosa causada pela bactéria do complexo Borrelia burgdorferi sensu lato. As borrélias são microrganismos pertencentes a uma vasta família de bactérias espiraladas designadas por espiroquetas. Em Portugal, existem pelo menos quatro espécies causadoras de doença, nomeadamente: B. burgdorferi sensu stricto, B. garinii, B. afzelii e B. lusitaniae.
A infeção ocorre através da mordedura de uma carraça infetada com borrélias. O risco de infeção aumenta se a carraça permanecer fixada ao indivíduo por um longo período de tempo. Estas mordeduras são geralmente indolores, passando muitas vezes despercebidas.
Os sintomas mais comuns da doença são a fadiga generalizada, inchaço dos gânglios linfáticos próximos da zona de mordedura, mal-estar, dores de cabeça, por vezes febre e calafrios, rigidez do pescoço, dores musculares e articulares, podendo ocorrer paralisia facial e outros distúrbios do sistema nervoso central. Embora a maioria dos sintomas surjam e desapareçam espontaneamente, a sensação de mal-estar e a fadiga podem persistir durante anos. Em alguns casos, na zona da mordedura da carraça, pode ocorrer uma mancha vermelha circular ou ovalada de cerca de 2 a 10 cm de diâmetro, com uma zona central mais clara, designada por Eritema Migrante.
O diagnóstico da BL pode ser complexo, uma vez que os sintomas da doença são variados e sobreponíveis com os de outras doenças infeciosas. A doença pode ser tratada com antibióticos, os quais devem ser iniciados o mais precocemente possível, diminuindo assim o risco de complicações futuras.