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Cada vez é mais evidente que as pedras falam e contam histórias dos tempos e das pessoas que viram passar, tornando-se parte da sua memória. Esta convicção levou o investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), David Freire-Lista, a procurar o destino que, ao longo dos séculos, levaram os silhares retirados do Santuário de Panóias, um dos mais singulares e enigmáticos monumentos rupestres da Península Ibérica. 

Construído na transição do séc. II para o séc. III pelo senador romano Caius Calpurnius Rufinus e dedicado às divindades infernais, o santuário é composto por três templos erigidos sobre fragas imponentes, apresentando-se com cavidades de diversas dimensões onde tinham lugar os rituais e celebrações, tais como de matança das vítimas, o sacrifício do sangue, incineração e purificação. Inscrições em latim e grego, descodificadas por especialistas, identificam as divindades objeto das celebrações e indicam as instruções dos rituais. 

David Freire-Lista, doutorado em geologia e engenharia geológica e a trabalhar com uma equipa multidisciplinar de cientistas de Espanha e França, considera que a configuração original dos edifícios que compunham o Santuário é um mistério que, juntamente com a sua equipa de investigação, pretende desvendar nos próximos anos. 

“Atualmente, – refere o geólogo – encontra-se localizada uma pedreira histórica na zona do Santuário e uma grande quantidade de blocos que faziam parte do santuário foram extraídos desta pedreira histórica e agora estão perdidos”. Ou seja, “uma vez que este santuário deixou de ter função ritual, passou a ser utilizado como pedreira, e os vizinhos pegaram os blocos de pedra que formavam as paredes dos prédios do santuário para reaproveitá-los em construções como casas e cercas”. 

Não obstante, as pedras utilizadas no património edificado são únicas e irrepetíveis, sendo possível conhecer alguns dos seus destinos. Assim, “os canteiros artesanais – diz o investigador da UTAD – deram aos blocos dimensões e acabamentos únicos, definidos pelo próprio artesão que esculpiu a peça. Cada golpe do entalhe ou martelo foi gravado na superfície do elemento de pedra. Graças a técnicas de conservação de património de última geração, como o scaneamento a laser 3D, é possível estudar e reproduzir os diferentes acabamentos superficiais que canteiros históricos deram às suas peças.” 

Neste quadro, segundo David Freire-Lista, “hoje é possível identificar a microrugosidade dos silhares, ou seja, identificar o acabamento que cada pedreiro deu às suas peças e estudar os parâmetros de rugosidade para identificar quais os blocos que pertenceram ao Santuário”. De momento, acrescentou, “foram identificados silhares com características semelhantes preservadas nas imediações da igreja de São Pedro de Vale de Nogueiras, bem como na igreja de São Tiago de Folhadela, em Vila Real, concretamente na fachada norte. Nesta igreja, os silhares apresentam ainda um orifício central retangular que terá servido para introduzir as tenazes de uma grua de rodas utilizada pelos romanos.” 

Infelizmente, a demolição de edifícios e casas históricas juntamente com o reboco das fachadas com cimento a partir do século XX torna mais difícil localizar todos os blocos que outrora enobreceram um santuário único na Península Ibérica. No entanto, lembra o investigador, “foi localizado um caminho em Folhadela (Vila Real), com escombros de casas de Vale de Nogueiras, e, neste caminho, podem observar-se blocos soterrados que poderão também ter vindo originalmente do Santuário de Panoias”.